GÊNESE E CONTEXTO DO FILME
Cultura, o tema obstinado. Só
faltava acontecer.
Havia interesse, mas pouco
conhecimento sobre um mito regional. Logo brotou a ideia de produzir um
documentário com uma abordagem antropológica cultural acerca da narrativa
mítica. Embora tivesse experiência com direção e roteiro de demais produções
audiovisuais, produzir um curta-metragem seria uma experiência cheia de
novidades.
O mito sob um
olhar estrangeiro, o olhar etnográfico.
O mito em questão se delineia por
apresentar uma mulher cujo túmulo foi acorrentado e o corpo virou uma serpente.
Eventualmente, há quem questione
a veracidade do mito inerente da região conhecida como Capim - em Rive, que
pertence ao município de Alegre, no Caparaó capixaba, sul do Espírito Santo.
Tal indagação entre os populares culminou na curiosidade individual sobre o
conto popular. As primeiras tentativas de investigação foram insuficientes,
ofereciam direção limitada. Mas o empenho e a persistência foram gratificados nas tentativas
que se seguiram.
Compreendido no contexto do
século XIX e primeiras décadas do século XX, um mito tão antigo limita em
quantidade e/ou qualidade as fontes de pesquisa, principalmente a história oral.
Tentou-se obter depoimentos que apresentassem autenticidade e variação na sua
forma, observando que contos míticos são peculiarmente formados por diversas
ramificações.
O processo de coleta de fontes da história oral
sobre o objeto de pesquisa foi um exercício que inspirou simpatia. O depoimento dos entrevistados por vezes foi
indiferente ou regular ao assunto, enquanto outros o engrandeciam, demonstrando
empolgação e um forte envolvimento com o mito. Mais além, deparou-se com depoimentos
que seriam imprescindíveis para formação do juízo de desmitificação. Seja como for, o mito está presente e
provoca o imaginário popular.
Os atores sociais foram
selecionados tendo como critério o conhecimento e vivencia da narrativa mítica,
e por apresentar opinião no âmbito da desmitificação, além de ser natural de
Alegre ou região do Caparaó-ES.
Ao explorar aspectos fúnebres,
entende-se que o assunto provoque estranheza. No entanto, é possível conferir a
oferta de historicidade e a apreciável arte tumular que há no(s) cemitério(s).
Visitou-se o cemitério estabelecido na fazenda São
Luiz – região do Capim/Rive, conforme o direcionamento contido nos relatos. O
cemitério abriga túmulos de escravos e arte tumular do século XIX. Contudo, o
foco era a sepultura que pertencera à serpente. O túmulo, embora vandalizado,
possibilitou a identificação da personagem do mito. Na lápide constavam alguns
nomes que se denominavam de filhos, e ao lado do túmulo está sepultada uma
filha. Outra grande surpresa foi encontrar um pedaço da corrente, esta esboçada
pelo evento sobrenatural.
Os dados obtidos foram confrontados com a bibliografia
sobre os colonizadores de Alegre e, desta forma, pode-se elucidar o
mistério. Segundo
a pesquisa, a serpente se tratava de Prudenciana Aguiar Paiva ou Prudenciana
Umbelina de Aguiar Paiva.
E na visita ao cemitério municipal de Alegre,
pode-se verificar os jazigos de entes da família de Prudenciana, os Ferreira
Paiva e Aguiar Paiva.
O conto também cita a mão-de-obra escrava e o
período
de transição para o trabalho livre no Espírito Santo, principalmente
na região sul do estado.
A religiosidade, considerado um
assunto delicado para ser tratado. Contudo, a proposta do documentário foi
muito bem recepcionada. A história de Alegre e região se construiu atrelada à religiosidade,
principalmente, a católica.
Segundo relatos, um volume
considerável de dados documentais e de patrimônio arquitetônico rural sofreu
danos ou foi completamente destruído em decorrência de inundações no município. Mesmo
assim, foi possível localizar dados de manuscritos, registros em cartório e
registros fotográficos que representam fragmentos da
realidade social. Como também
não foi possível visitar a sede da fazenda São Luiz e de outras fazendas que
pertenceram aos colonizadores de origem portuguesa. Todavia, encontrou-se uma
pequena propriedade rural que reproduz com fidelidade características da arquitetura rural
do século XIX.
Entre embaraços e triunfos, a
pesquisa conquistou corpus plausível para a realização da proposta
cinematográfica. Assim, o documentário “A Serpente do Túmulo
Acorrentado” conduz ao passado para descobrir o seu valor.
A Serpente do
Túmulo Acorrentado – é um mito
por Julia Keyse
por Julia Keyse
Espero que o resgate do folclore
e da história alegrense que reside em preservar o mito através do filme seja uma contribuição de estima à identidade cultural de
Alegre. Almejo que o documentário possa servir para estimular um debate sobre
como cada sociedade vive e transmiti seus aprendizados às gerações seguintes.
Deste modo, sobre o que representa o conjunto de bens de
natureza material
e imaterial, um senso de identidade e perenidade que se
forma a essência da cultura de um povo.
*O documentário a Serpente do Túmulo Acorrenta foi o produto
do meu trabalho de conclusão de curso. O mesmo acompanha o artigo intitulado de
“A Serpente do Túmulo Acorrentado”, o
documentário do mito de Alegre-ES: uma abordagem antropológica cultural.
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